Opinião
Esquadrão japonês no Brasil (1965)
(Escrito
por Diogo Nomura* - publicado na edição 269 do
Jornal Nippo-brasil, de 4 a 10 de agosto de 2004)
Os
jornais noticiaram a visita, pela 9ª vez, do esquadrão
da atual marinha japonesa, conhecida como a "Renshuukantai
do Kaitô Jieitai", nome adotado no pós-guerra,
motivo pelo qual achei do meu dever explanar além da satisfação
desse fato e destacar a importância do significado daquele
memorável acontecimento, o qual foi a primeira visita oficial
de navios de guerra japoneses ao Brasil, a convite oficial do
nosso governo, por meio da nossa Armada, para participar da Semana
da Pátria. A Força Tarefa do Esquadrão, na
época integrada pelos destroiers, Akisuki, Katori e Kashima,
veio sob o comando do almirante Morio Goga - meu primo, por sinal,
pois sua mãe, minha tia, era irmã do meu pai - e
fôra integrado como yôshi (filho adotivo) pela família
do seu comandante, Almirante Goga.
O Brasil
e o Japão, com o fraterno relacionamento, vinham mantendo
um intercâmbio favorável, interrompido pela guerra
em face das decisões geopolíticas vigentes na época.
Assim, ficaram com o relacionamento político, diplomático
e econômico fraturados, e desejavam no pós-guerra
a continuidade desse entrosamento, mormente em função
da presença dos imigrantes em sua fase de aculturação
e integração na segunda Pátria, que se tornou
grande pátria dos seus descendentes brasileiros presentes
em todos os setores da vida nacional, inclusive nas nossas forças
armadas com destaque merecido. Faltava, entretanto, um gesto,
um evento que determinasse e positivasse oficialmente essa boa
vontade, pois o Brasil e o Japão não haviam assinado
nenhum acordo de paz, já que o nosso País nem fôra
convidado a essas cerimônias de assinaturas de armistício
e paz. Nesse ponto, devemos reconhecer a nobreza do gesto do presidente
Castelo Branco, que na sua aparente sisudez com firmeza, soube
resgatar a oportunidade ouvindo os seus conselheiros, enviando
o convite para que a "Renshuukantai do Kaijô Jieitai"
fosse oficialmente convidada de honra durante as solenidades da
Semana da Pátria, em 7 de setembro de 1965.
Destarte
foi, estabelecida a programação, com a visita do
esquadrão japonês ao Brasil pela primeira vez no
pós-guerra, com escalas em Recife, depois em Santos, São
Paulo e, finalmente, no dia 7 de setembro, no Rio de Janeiro,
para o grande desfile da Avenida Getúlio Vargas, tendo
no palanque oficial o presidente da República Castelo Branco,
todos os ministros, autoridades e corpo diplomático.
Tive
a oportunidade de assistir ao evento, pois fôra surpreendido
e honrado com o convite para ser membro da comissão de
recepção, representando as nossas autoridades civis,
com o oficial da nossa Marinha e um carro à minha disposição.
Eis que, foi a alegação, poderia ser útil
ao comandante visitante que já sabiam era meu primo, assessorando-
o em relação à situação da
comunidade, então ainda fervilhando com o confronto de
ideias entre vitoristas e derrotistas.
Chegada
Na primeira visita a Recife, apresentei-me ao comandante da base
naval da época, Almirante Duque Guimarães, declinando
da minha qualidade de representante civil das nossas autoridades,
pois já havia sido também designado como representante
da nossa Assembleia Legislativa de São Paulo.
Os
poucos japoneses presentes à chegada do esquadrão
em Recife devem ter ficado empolgados, pois os navios, embora
pequenos, do tipo corvetas, vinham com a bandeira da Marinha desfraldada,
com sua banda musical entoando bem alto o"Gunkam March".
Retornei
no mesmo dia, via aérea, a São Paulo, pois dias
após o esquadrão deveria chegar a Santos, onde já
à espera estavam presentes dezenas de milhares de pessoas,
principalmente isseis, que afluíram de vários pontos
do País - do Pará, Mato Grosso, interior de São
Paulo, Paraná e até do Rio Grande do Sul. Em Santos,
o porto já estava repleto de japoneses com bandeirinhas
na mão, os quais mal disfarçavam a ansiedade pela
espera.
E quando
o esquadrão da Força Tarefa da Marinha japonesa,
com a bandeira naval hasteada, aproximou-se do cais para atracar,
a banda começou a tocar o famoso "Gunkam March".
Foi um delírio! Sob os gritos de "banzai!" e
"viva!", cheguei a temer algum excesso de entusiasmo,
mas, felizmente, tudo correu dentro de uma atmosfera de justificado
entusiasmo e alegria.
O Almirante
Morio Goga, com quem havia conversado sobre o clima reinante na
comunidade nipo-brasileira sempre que pude, com cordialidade informou
a todos que devíamos aceitar os fatos históricos
da guerra com dignidade, e que, com a conquista da paz, o Japão
iria se tornar um dos líderes progressistas no contexto
da comunidade mundial. "Trabalhem pelo Brasil, que está
nos recepcionando com tantas provas de amizade e fraternidade,
e, assim, estarão cooperando em prol de um Japão
como membro de um novo mundo voltado para a paz, o trabalho e
a prosperidade." Esta foi a mensagem que ele repetiu.
Após
a visita a Santos, os marinheiros dirigiram-se a São Paulo,
onde, no Parque do Ibirapuera, durante dois dias, cada kenjinkai
se desdobrou em recepcionar marinheiros e oficiais co-provincianos.
O Almirante
Goga participou de um desfile na Rua Galvão Bueno, depositando
flores no monumento do Ipiranga e dos pracinhas da FEB, com a
presença de vários nikkeis veteranos da Itália.
Já no Rio de Janeiro, na data culminante da Semana da Pátria,
no dia 7 de setembro de 1965, os oficiais e marinheiros da Força
de Autodefesa Marítima do Japão desfilaram na Avenida
Getúlio Vargas, no centro do Rio de Janeiro, perante o
palanque presidido pelo presidente Castelo Branco, seus ministros
e corpo diplomático.
Infelizmente,
poucos isseis puderam assistir ao grandioso desfile, iniciado
com as nossas forças de terra, mar e ar, e, a seguir, como
convidado de honra, abrindo o desfile, a tropa de fuzileiros japoneses
com uma enorme bandeira do sol nascente à frente, prestando
continência ao presidente do Brasil, marechal Castelo Branco.
Ele, por sua vez, ao lado das altas autoridades civis, militares
e representantes diplomáticos, prestou a continência
devida aos visitantes e aos marinheiros japoneses.
Em
seguida, desfilaram os cadetes da marinha do Chile e um contingente
americano que tripulava um navio que estava atracado para abastecimento
de combustível e alimentos.
Presente
no palanque, o embaixador americano começou a protestar
contra a presença de marinheiros japoneses como convidados
de honra justamente na Semana da Pátria, dizendo que eles
eram inimigos. O presidente Castelo Branco, porém, informado
do que ocorria, disse ao representante americano, por meio de
seu ajudante de ordens, que os japoneses atenderam ao seu convite
oficial para homenagearem a Semana da Pátria representando
um país amigo.
O Almirante
Goga foi o primeiro representante do Japão a ser condecorado
no pós-guerra, recebendo da nossa Armada a alta condecoração
do Mérito Naval. A firme posição de Castelo
Branco, o chefe da nação, foi, indubitavelmente,
um magnífico espetáculo, que preencheu o hiato até
então existente no relacionamento nipo-brasileiro, com
um significado talvez mais amplo que um formal tratado de armistício
e paz entre dois países, que por sinal, nunca tiveram um
confronto militar.
Confirmando
conjecturas Já se tornou cediço dizer que nada ocorre
por simples acaso, pois só posteriormente fiquei sabendo
como foi maturada essa visita da Força Tarefa da Força
de Autodefesa marítima japonesa, a primeira no pós-guerra,
realizada com todas as honras para participar com destaque no
grande desfile comemorativo da Semana da Pátria perante
o Presidente da República e seu ministério. Vale
dizer, ainda, que o governo do nosso País enfrentou protestos
e incompreensões.
Na
época, o almirante José Joaquim Januário
Coutinho Neto era o comandante naval da nossa Marinha em São
Paulo, e, posteriormente, em Brasília (DF), o comandante
naval da capital federal. Finalmente, assumiu a chefia do Centro
de Informações da Marinha (Cenimar). Essa ilustre
personalidade, infelizmente falecida, da qual fui amigo, era casado
com dona Kity Komatsu, descendente de japoneses, motivo pelo qual
mantinha com a comunidade amizade e estima. Após a guerra,
o então capitão- de-fragata Coutinho esteve no Japão
como subchefe da comissão naval brasileira para fiscalizar
a construção de dois navios de transporte da marinha,
"Barroso Pereira" e "Soares Dutra", e lá
conheceu o seu colega da marinha nipônica Morio Goga. Ficaram
amigos e, creio, no pós-guerra, devem ter tido o
mesmo
pensamento, que visava à paz e à cooperação.
Certamente, devem ter cogitado como poderiam, por meio de suas
marinhas, buscar um ponto de encontro como foi feito, pois o Brasil
e o Japão, pelas suas formações históricas
e geopolíticas avalizadas pela presença dos imigrantes,
só poderiam ter uma vocação, que é
a da busca da fraternidade e intercâmbio por meio do trabalho
em clima de paz. O almirante Coutinho, que fôra um expert
em informações, discretamente - como era a sua formação
- influenciou e assessorou o alto comando e, em consequência,
até a Presidência da República, para aprovar
o convite ao "Renchuukantai" de um País que fôra,
até ontem, técnica e diplomaticamente "inimigo",
distinguindo-o na condição de convidado de honra
para participar com destaque na Semana da Pátria, comemoração
maior da data máxima da história do Brasil.
Em
face dessas considerações, rendo um preito de respeito
e homenagem à figura do amigo almirante J.J.J. Coutinho,
a quem credito o mérito da vinda como convidado de honra
do nosso governo, do "Kaijô Jieitai", por meio
do Renshu Kantai, pois somente anos após, com um sorriso
enigmático, ele, paulatinamente, foi confirmando as minhas
conjecturas, depois de ter passado para a reserva, já que,
em função dos altos postos exercidos, a discrição
fôra um dever funcional.
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Diogo Nomura foi ex-deputado federal
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